ONGs na Mira

ONGs na Mira

Objeto de investigações diversas, Organizações da Sociedade Civil saem mais fortes depois de uma Comissão Parlamentar de Inquérito!

Recentemente, um fato político na cidade de São Paulo ganhou grande repercussão negativa em nível nacional: a chamada “CPI do Padre Julio”. Um vereador apresentou requerimento para instalação de Comissão Parlamentar de Inquérito na Câmara Municipal e deu entrevista (ou fez uma postagem) dizendo que um dos “alvos” da CPI seria o Padre Julio Lancelloti, que há muito tempo faz um trabalho voltado para as pessoas em situação de rua.

Depois que o mundo reagiu em protesto contra essa declaração, alguns vereadores retiraram a assinatura do requerimento da CPI, dizendo que essa nunca tinha sido sua intenção (investigar o Padre Julio). “Ué, eles não leram o requerimento, não sabiam o que estavam fazendo ou acharam melhor recuar”?

Eu tive a mesma reação. “Como alguém poderia ter proposto uma CPI sobre uma pessoa?”. Para tentar entender, fiz o que prezo muito: fui direto à fonte, isto é, busquei o requerimento para abertura da Comissão de Inquérito. Não foi muito fácil não – um dia vamos falar sobre isso, a dificuldade de encontrar, na internet, informações que estão devidamente publicadas. Se eu não soubesse mais ou menos onde procurar, possivelmente não teria encontrado.

E aqui está: “Requeiro [nos termos do artigo tal …] a criação de Comissão Parlamentar de Inquérito com a finalidade de investigar as Organizações Não Governamentais (ONGS) que fornecem alimentos, utensílio para uso de substâncias ilícitas e tratamento dos dependentes químicos que frequentam a região da Cracolândia”.

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Ah, entendi. Uma CPI para investigar… ONGs. Pode-se concordar ou discordar da proposta, mas é bem diferente de investigar uma pessoa!

ONGs, como já refleti neste espaço, às vezes são consideradas supérfluas (não são!!!). Muitas outras vezes são declaradas suspeitas, ou automaticamente condenadas: “Tudo um bando de aproveitador, vivem mamando no Estado”; “Recebem muito dinheiro e não fazem nada”.

Esse pensamento já deu origem a outras CPIs, e quero falar de uma instalada no Senado há mais de dez anos, para investigar “o repasse de recursos federais para ONGs e OCIPs no período de 1999 até 30 de abril de 2009”. Seu relatório, disponível aqui, afirma: “O objetivo central não é o de promover a persecução penal (…), mas o de apontar soluções para os problemas estruturais”. Assim, “a Comissão realizou um intenso e exaustivo trabalho de análise (…) para propor um marco legal regulando as parcerias entre os Poderes Públicos, das três esferas (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), e as entidades privadas sem fins lucrativos”.

Instituições Humanas

O Relatório, vejam vocês, começa justamente reconhecendo a importância de Organizações Não-Governamentais: “Não há quem discorde da importância da ação dessas entidades para o desenvolvimento da cidadania, da democracia, da defesa dos direitos coletivos e das melhorias das condições sociais e econômicas dos estratos menos favorecidos do povo brasileiro”. E mais: A ideia de que o Estado necessita de parceiros para prestações de serviço consolidou-se na década de 1990. No início, as ONGs eram anunciadas como a solução moderna para preencher as lacunas deixadas pelo Estado e pelo mercado. (…) Parecia uma nova forma de organização humana, sem os problemas conhecidos e insolúveis do aparelho estatal. As ONGs teriam a agilidade necessária para atuarem com eficiência, com objetivos que não a maximização do interesse individual.

Mas… “Instituições humanas, logo se descobriu que as ONGs não incorporaram somente as virtudes, mas também os defeitos do homem”. Ainda assim, todos os especialistas ouvidos na CPI, “sem exceção, reconheceram que as entidades privadas sem fins lucrativos têm um importante papel na formulação, execução e fiscalização de políticas públicas. Não como substituto do Estado, mas como parceiro”.

Ao contrário das CPIs que nos deixam a sensação de terminar em uma preparação italiana sabor muçarela, essa Comissão realmente contribuiu para a elaboração de legislação moderna para regular a relação das Organizações com a Administração Pública. A primeira versão de um Projeto de Lei foi apresentada em 1º/4/2008 em audiência realizada pela CPI, “como um texto-base para discussões mais aprofundadas. Em decorrência das diversas sugestões recebidas, muito se modificou em relação à primeira versão”. Quem conta isso é o próprio autor do Projeto que deu origem ao Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil – MROSC (“mirosc”, para os íntimos), a Lei 13.019 de 2014.

Nos próximos episódios…

Nos próximos episódios, vou falar mais sobre o MROSC. Porque padres ou madres, pastores ou pastoras, pais ou mães de santo, todas as pessoas religiosas, ateias ou agnósticas podem criar ou participar de Organizações e receber recursos públicos para desenvolver um projeto – desde que se comprometam com resultados positivos para sociedade e a transparência em todas as etapas.

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